O Brasil ainda está aqui
O Diário - 8 de janeiro de 2025
Priscila Ventura Trucullo é professora de história da rede pública estadual; @pritrucullo
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A vitória de Fernanda Torres como melhor atriz dramática no Globo de Ouro chega para glorificar o espírito nacional brasileiro. Laureada por sua atuação no filme “Ainda Estou Aqui”, Fernanda dedicou o prêmio à sua mãe, que 26 anos antes havia sido indicada à mesma categoria por “Central do Brasil”; que naquela ocasião levou a estatueta de melhor filme estrangeiro. Mesmo que “Ainda Estou Aqui” não tenha conquistado o prêmio análogo, a performance de Fernanda filha e Fernanda mãe leva mais adiante a história de resistência do Brasil à ditadura, no passado, e aos seus apologistas, no presente.
A atriz destacou a importância do legado de sua protagonista, Eunice Paiva, em busca de verdade e justiça por seu marido desaparecido, Rubens Paiva, assassinado pela Ditadura em 1971. Em seu discurso, frisou: "E, é claro, eu quero dedicar esse prêmio à minha mãe, vocês não têm ideia, ela estava aqui há 25 anos, e isso é uma prova que a arte dura na vida. Até durante momentos difíceis pelos quais a Eunice Paiva passou. Com tanto problema hoje em dia no mundo, tanto medo, esse é um filme que nos ajudou a pensar em como sobreviver em tempos como esses". A temática abordada no filme, que é sucesso de público e símbolo de renascimento do cinema nacional, é oportuna no momento em que se completam dois anos da tentativa de golpe de 8 de janeiro, quando os herdeiros impunes da ditadura tentaram derrubar a democracia, que por mais incompleta que seja, ainda está aqui. Mesmo que o espectro de nosso passado violento persista em nos assombrar, o cinema brasileiro demonstra seu vigor e nos lembra que a arte é uma linguagem de resistência, incitando a reflexão sobre a memória do nosso país, muitas vezes negada e silenciada sob os escombros do autoritarismo. A premiação de Fernanda, uma atriz brasileira concorrendo com grandes nomes de Hollywood, alimenta a esperança pelo reconhecimento internacional do Brasil, furando a dura bolha da hegemonia estadunidense. Afinal, ainda que sua história seja genuinamente brasileira, o filme de Walter Salles emite uma mensagem internacional e inspira a luta contra o avanço do neofascismo mundial, receitando o antídoto que nos ajuda a sobreviver: Sorriam!