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Deu samba no Grêmio

gustavo.molejo - 23 de julho de 2024

Deu samba no Grêmio

PROFª ESP. KARLA ARMANI MEDEIROS historiadora, professora de História e titular da cadeira 7 da ABC www.karlaarmani.blogspot.com / @profkarlaarmani

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“De onde cantam as cigarras” é o livro que escrevi, em 2020, sobre a origem do Grêmio Literário e Recreativo de Barretos. Nessa obra, tive a feliz oportunidade de transcrever e analisar importantes citações da imprensa barretense que transpareciam o pensamento e a cultura intelectual produzida e consumida pela elite letrada da cidade no início do século XX. Dentre tantas fontes citadas no livro, destaco hoje uma que muito aprecio pelo tom de “grande revelação” que exala.

O Grêmio, na década de 1930, promovia a seus associados saraus literários que envolviam boas doses de música e literatura. Grande parte dessa produção artística era de composições estrangeiras, em especial os concertos de piano. Por outro lado, existia a apresentação de composições nacionais; um esforço da nova geração. Nessa atmosfera, vez ou outra, o clube permitia-se extrapolar e abraçar novidades; caso da citação que transcrevo abaixo onde o advogado Mario Mazzeo Guimarães se impressiona com o ritmo musical mais popular de então, o samba. Dizia ele no jornal A Semana dias antes do Natal de 1938: “Nenhuma surpresa maior do que o imprevisto Benedita Veloso. [...]. Pois vi com os meus olhos, no Grêmio, a turma burguesa que costuma frequentá-lo perder as estribeiras e se esquecer das linhas clássicas para aplaudir doidamente a menina do povo que veio com a música do povo mexer com a sensibilidade daqueles que pensam que não são do povo. Benedita Veloso encarna o samba como a legitima mestiça brasileira”.

Tantas camadas possui essa citação, que mal cabem nessas poucas linhas. Embora o clube mantivesse relações institucionais com a Sociedade Estrela D’Oriente e alguns negros frequentassem seus salões, a oralidade nos revela que no geral o público negro ali sequer entrava. Havia segregação. Mesmo assim, pelas palavras do advogado, foi possível conhecer o momento em que a elite se envaideceu com o samba, por meio da voz de uma “legítima mestiça”. Nota-se o deleite e a maneira com a qual, de certa forma, o samba foi sentido como integrante da musicalidade nacional. Os anos 1930 eram tempos de intercâmbio cultural. Fascinante! Por tudo isso, vida longa às fontes históricas!

PROFª ESP. KARLA ARMANI MEDEIROS, historiadora, professora de História e titular da cadeira 7 da ABC – www.karlaarmani.blogspot.com / @profkarlaarmani