Ele tem, eles têm
luciano-borges - 10 de fevereiro de 2024

Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Mackenzie, na área dos estudos discursivos e textuais – literatura, artes e mídias digitais
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Viva a língua viva
O acento circunflexo, que se coloca em formas conjugadas de verbos, não é matéria nova, tampouco assunto exclusivo do último acordo ortográfico. Tal fato se agiganta quando se investiga, no pormenor, a história do circunflexo na escrita de verbos no Brasil e em Portugal através dos séculos. Em última análise, mudanças ortográficas denotam como as línguas podem ser mesmo vivas.
A história registra que as formas conjugadas no plural dos verbos crer, ler e ver, até o final do século 17, eram escritas em Portugal com um único “e” acentuado com o circunflexo: “eles crêm”. Outro dado histórico revela que nesse mesmo país, a partir do século 18, o acento cai e duplica-se o “e”: “eles creem”. No entanto, o acento na grafia no Brasil perdurou até o século 20. Somente após o último acordo ortográfico é que os brasileiros passaram a grafar “eles creem”.
Algo que pode surpreender é o fato de que na língua falada não existe diferença quando se diz: “ele tem, eles têm”. Isto é, não se pode fazer distinção na pronúncia entre o singular “ele tem” e o plural “eles têm”. Inclusive é comum ouvir as pessoas duplicarem na fala o “e” com o intuito de sublinhar o plural. Assim, o que se ouve é um sonoro “teem”, o que não é necessário.
Se na fala não é imprescindível marcar o plural do verbo ter, na língua escrita é muito importante que se faça essa indicação por meio de um sinal diacrítico, qual seja, o acento circunflexo. Isso porque, trata-se de uma propriedade dos diacríticos (til, trema, acento agudo etc.) conferir valor, nesse caso: sinalizar que aquilo que se anuncia contém mais de um.
Portanto, entre os plurais dos verbos ter e crer, no presente do indicativo, existem diferenças visíveis na língua escrita. Ora, para indicar o plural do verbo crer, é preciso duplicar o “e”, enquanto para o mesmo fim, no verbo ter, basta colocar o acento circunflexo. Há que se notar ainda que, em todos os casos aqui analisados, a evolução da grafia jamais alcança ou propõe mudança no sistema que constitui a língua.