Gramática: língua natural e uso
O Diário - 10 de dezembro de 2024

Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na área dos estudos discursivos e textuais – literatura, artes e mídias digitais
Compartilhar
Um entre os caminhos de estudo da gramática de uma língua natural, e aqui não me refiro às inventadas, é aquele que parte do uso real e das práticas sociais dos falantes. O que significa que tal estudo não se alinha à prescrição ou à idealização. Isso porque as línguas naturais são moldadas pelas interações humanas, refletindo as realidades socioculturais de quem as fala. Logo, em sua essência, a língua natural é um reflexo do equilíbrio entre regularidade, diferença e mudança.
Regularidade. As línguas naturais apresentam padrões que se mantêm ao longo do tempo, certas estruturas e regras que permitem a comunicação eficiente. Essas regularidades não são impostas, mas emergem naturalmente a partir do uso coletivo. A ordem sujeito-verbo-objeto exemplifica um padrão regular, que é amplamente observado em construções como “Ela comeu o bolo”.
Variação. Apesar das regularidades, as línguas naturais apresentam diferenças no uso que refletem fatores regionais, sociais, culturais e históricos. Essas diferenças não são impostas, elas surgem do contexto específico de uso. É o exemplo de variações regionais no português do Brasil. Em São Paulo, é comum ouvir: “Você quer?”. Já no Rio Grande do Sul: “Tu quer?”.
Mudança. As línguas naturais revelam transformações dinâmicas e graduais. A mudança ocorre porque os contextos socioculturais mudam e as pessoas ajustam a língua para atender às novas necessidades comunicativas. Termos como “selfie” e “streaming” foram espontaneamente incorporados ao português, assinalando as mudanças tecnológicas vividas pela sociedade. A ampla aceitação desses termos se deu naturalmente, de maneira não prescritiva.
Portanto, as línguas naturais se estruturam e se transformam a partir do uso real, ou seja, por meio de situações reais de uso. Fato é que elas compartilham certas regras que as tornam previsíveis, o que permite que os falantes aprendam e as usem de forma eficiente. Assim, aspectos como regularidade, diferença e mudança mostram, com efeito, que uma língua natural não é estática, nem uniformemente regulada por imposições, mas viva e em constante adaptação ao uso real.
Luciano Borges é Doutor em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na área dos estudos discursivos e textuais – literatura, artes e mídias digitais