Não existe paz no trânsito sem paz de espírito
O Diário - 23 de abril de 2025

Carlos D. Crepaldi Junior. Advogado especialista em Gestão e Direito de TrânsitoEx-Conselheiro do CETRAN-SP . Diretor da ABATRAN
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Todos os dias, milhões de brasileiros saem de casa e enfrentam o trânsito com uma tensão que vai além dos buracos na pista ou dos congestionamentos nas avenidas. O que muitos não percebem é que, por trás de uma simples buzina agressiva, de uma fechada proposital ou até mesmo de um gesto de fúria, existe algo muito mais profundo, a dor silenciosa de uma população exausta, pressionada por problemas que se acumulam fora do carro, mas explodem dentro dele.
A verdade é que o trânsito virou um espelho das frustrações cotidianas do brasileiro. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio, mais de 78% das famílias estão endividadas no país. Isso significa que, para a maioria das pessoas, as contas não fecham no fim do mês. É aluguel, cartão de crédito, financiamento do carro, escola das crianças, supermercado e etc. A mente não descansa. E quando finalmente a pessoa entra no carro, ali parece o único lugar em que ela tem algum controle, ou ao menos acredita que tem. No entanto, qualquer erro de outro condutor, barbeiragem ou descuido vira o estopim para soltar toda essa carga emocional acumulada.
Manter um veículo é um sacrifício. Um pequeno arranhão na lataria não é só um dano material, é a destruição simbólica de um bem duramente conquistado, um sonho que levou anos para se realizar. E aí o cidadão reage como se estivesse sendo atacado pessoalmente. Reage com raiva, com violência, com desespero.
Mas não é só isso. Existe a sensação de estar sendo enganado por todos os lados. Políticos fazem promessas em época de eleição, mas governam apenas para si mesmos. Enquanto o cidadão precisa parcelar o IPVA, agentes públicos andam em carros oficiais, desrespeitam leis de trânsito e vivem como se fossem imunes às regras. Isso gera revolta. Quando as autoridades não dão o exemplo, o sentimento que fica é de abandono. E no trânsito, esse abandono vira impaciência, intolerância e até agressividade.
O banco do motorista é onde o cidadão/condutor se sente protegido, como se estivesse dentro de uma cápsula onde finalmente pode expressar o que engole calado o dia inteiro. Entretanto, é uma falsa segurança. A qualquer instante, a civilidade pode dar lugar à brutalidade. E quando isso acontece, dificilmente há espaço para o diálogo, para o entendimento ou para a empatia.
Precisamos entender que o trânsito não é feito apenas de carros, motos e semáforos. Ele é feito de pessoas. E pessoas carregam histórias, dores, medos e frustrações. A paz nas ruas começa com a paz dentro de cada um de nós. Enquanto não cuidarmos do emocional da sociedade, continuaremos vendo esse cenário caótico onde pequenos conflitos viram grandes tragédias.
A educação para o trânsito precisa ir além das placas e sinais. Ela precisa alcançar o coração das pessoas. Afinal, é impossível ter paz no trânsito quando falta paz de espírito.