Esqueci minha senha
O tempo e o aperto no peito

karla-armani-medeiros - 24 de setembro de 2024

O tempo e o aperto no peito

PROFª ESP. KARLA ARMANI MEDEIROS historiadora, professora de História e titular da cadeira 7 da ABC www.karlaarmani.blogspot.com / @profkarlaarmani

Compartilhar


Caro leitor, você também tem saudade quando olha para uma esquina, casa, prédio ou praça e não encontra ali o lugar que existia anos atrás? O que restam são apenas as memórias do espaço. Aliás, do tempo. Me veio agora a tocante frase do mestre Rubem Alves: “Se amaste muito um lugar, não cometa o erro de visitá-lo duas vezes. Porque ao voltar ali, não estás tentando encontrar o lugar, estás tentando encontrar o tempo. E o tempo já não está mais, o tempo se foi”. Mais que o aparente conselho, o escritor indica o quão profunda é a procura do homem pelo tempo que se foi e pelo que existe de material para se lembrar dele. Talvez seja essa a melhor definição quando a gente se depara com a ausência de lugares antigos que amamos: a saudade do tempo. O aperto no peito.

Dias atrás, me peguei com esse sentimento ao olhar na esquina da rua 20 com a avenida 27 e me deparar com aquele enorme prédio que foi construído sobre a antiga escola Soares de Oliveira, onde me alfabetizei. Observei o atual gigante de vidro e pensei: ele não é mais bonito do que aquela belíssima fachada art-deco do Soares antigo. Não é mesmo. De imediato, veio à minha memória não só a fachada verde e branco da escola, mas o cheiro amadeirado do piso sempre bem encerado, os olhos castanhos claríssimos da “Pro Nair”, a textura lisa do corrimão também de madeira e o ressoar do teto enorme da quadra. Pensei: é disso que tenho saudade, do tempo. E fui além: se eu, que estudei nessa esquina na década de 1990, sinto essa saudade, imagine as pessoas mais velhas que aqui estudaram quando era o Ginásio Francisco Barreto e depois o Ginásio Estadual nos anos 1940? Eles sim devem ter muito mais apertos no peito!

Não é possível que exista alguém que olhe para uma esquina querida e não se sensibilize com a derrubada de um lugar tão especial. É por esse despertar de sentimento do tempo, das lembranças e memórias que os casarões, praças e prédios antigos precisam ser preservados. Eles contam a nossa história para a geração que não viveu aquele tempo e provocam sentimentos em quem teve a oportunidade de vivê-lo. A gente precisa do espaço para evocar o tempo; para sermos humanos. A equação é simples.

PROFª ESP. KARLA ARMANI MEDEIROS, historiadora, professora de História e titular da cadeira 7 da ABC – www.karlaarmani.blogspot.com