“Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir!”
Diocese de Barretos - 20 de março de 2025

“Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir!”
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Por Pe. Ronaldo José Miguel, Reitor Seminário de Barretos.
Atraído pela beleza divina, Jeremias descreve, em um único verso, todo o seu processo de conversão durante o exercício do seu ministério profético: “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir! Dominaste-me e prevaleceste!” (Jr 20,7). Dessa forma, o profeta confessa não resistir à beleza divina, que se manifesta no perdão constantemente oferecido pelo Senhor, provando-lhe seu amor. Deus é misericordioso e jamais o abandonará. Assim também é Deus conosco: quanto mais nos distanciamos dele em nossas infidelidades, mais ele se aproxima para nos salvar. Quando menos merecemos seu amor, mais ele nos ama. Talvez seja por isso que São Paulo VI tenha afirmado: “O mundo em que vivemos tem necessidade de Beleza para não cair no desespero” (Mensagem do Concílio Vaticano II aos artistas, 1965). Parafraseando o evangelista São João, podemos dizer: “No princípio era a ‘Beleza’, e a ‘Beleza’ estava com Deus, e a ‘Beleza’ era Deus. Ela estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por meio dela, e, sem ela, nada foi feito de tudo o que foi feito... E a ‘Beleza’ se fez carne e veio habitar entre nós” (cf. Jo 1,1-3.14). É graças à Beleza encarnada, Cristo Jesus, que podemos contemplar o amor de Deus no seu rosto desfigurado no alto da cruz, sem cair no desespero. Vencendo a morte, Cristo nos comunica sua beleza redentora: “sermos chamados filhos de Deus” (cf. 1Jo 3,1) e clamarmos “Abá, Pai” (cf. Gl 4,6; Rm 8,15). Seu amor paterno sempre prevalece e nos domina, como confessou o profeta. Mas, afinal, é apenas a Beleza divina que nos atrai neste mundo? É possível haver beleza fora de Deus? Não estamos também sujeitos às seduções do maligno? O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26), é capaz de refletir a beleza do seu Criador quando permanece no estado de graça e não se deixa enganar pelo pecado. Entretanto, nas tentações que Jesus sofre no deserto (cf. Lc 4,1-14; Mt 4,1-11; Mc 1,12-13), é possível perceber quão astuto é o tentador: ele se apresenta disfarçado de alguém do bem. Sua artimanha é falsear, enganar e confundir. Se ele cheirasse mal, carregasse uma foice, tivesse chifres na cabeça e soltasse fogo pelas ventas, seria muito mais fácil repudiá-lo, tanto estética quanto eticamente. Mas, infelizmente, ele é ardiloso e, muitas vezes, se disfarça de boa pessoa, ultrajado de poder e prestígio, exalando o perfume sedutor de quem se sente um deus sem Deus. É fácil reconhecer sua fisionomia na primeira tentação: são todos aqueles que, neste mundo, transformam pedra em dinheiro, gozando das riquezas às custas da degradação da natureza e da exploração da vida humana, promovendo desigualdades e injustiças. O mesmo se aplica à segunda tentação: tantos se prostram diante do mal para obter os reinos deste mundo, fazendo do poder um instrumento de domínio, e não de serviço. E assim também ocorre na terceira tentação: os que usam até a Palavra de Deus e o nome santo do Senhor em vão, ocupando altos postos de prestígio no templo para promover seus interesses pessoais em vez do Reino de Deus. A diferença entre as seduções do Senhor e as do maligno é que este último é “moeda falsa” (Jr 6,30), com uma imagem deturpada de Deus, enquanto o Senhor nos seduz revelando o verdadeiro rosto do Pai e nosso humano rosto na face misericordiosa de seu Filho.