“Tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15)
Diocese de Barretos - 6 de março de 2025

“Tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15)
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Por Pe. Ronaldo José Miguel, Reitor Seminário de Barretos.
O epílogo do Evangelho de João começa com a aparição do Ressuscitado aos seus discípulos e a pesca milagrosa no lago de Tiberíades. Em seguida, dá-se início ao diálogo entre o Ressuscitado e Simão Pedro, quando Jesus o interroga, por três vezes, se é capaz de amá-lo mais do que os outros discípulos. Simão Pedro está prestes a ser confirmado como o pastor do rebanho do Senhor e, por isso, deve estar pronto a entregar a sua vida pelas ovelhas. Se Simão não faz uma experiência profunda do amor de Deus, não será capaz de amar como Ele nos amou (cf. Jo 13,34-35), dando a sua vida pela salvação do rebanho. No diálogo, Simão ainda não está pronto para esse amor oblativo, levado até as últimas consequências, que será a cruz. Mas, mesmo assim, o Ressuscitado confia-lhe o rebanho, indicando que, mais tarde, Simão Pedro dará o testemunho esperado. E assim, o mesmo Simão que negou Jesus três vezes após a traição de Judas, dizendo não ser um de seus discípulos (cf. Jo 18,17-27), se converte no Pedro que, mais tarde, demonstrará seu amor pelo Senhor na sua carne, através do seu martírio em Roma, já pré-anunciado pelo Senhor (cf. Jo 21,18-19). É exatamente na experiência da negação que Simão Pedro experimenta a sua mais profunda conversão: quando Jesus, já aprisionado, passa por ele após sua negação e volta-lhe o olhar cheio de amor como sempre, nada mudando após sua traição, Pedro “pôs-se a chorar amargamente” (Lc 22,62), porque sentiu-se perdoado e amado como sempre. Existe uma expressão popularmente atribuída a Santo Agostinho que traduz muito bem essa experiência de conversão e apostolado de Simão Pedro: “Deus nos ama não por aquilo que somos hoje, mas por aquilo que um dia viremos a ser”. Certamente, essa frase resume bem a conversão do próprio santo e revela como Deus fita em nós o seu olhar de amor: seu olhar é escatológico, voltado para o futuro, para a realização da nossa imagem e semelhança em Deus. Jesus olha para Pedro e Agostinho e neles se reconhece, como num espelho, vendo-os também como filhos de Deus, transfigurados pelo amor misericordioso que irão experimentar no transcurso da vida e que os levará à conversão. Assim é um olhar de amor: não se deixar ofuscar pela atual imagem deturpada pelo pecado, mas eliminar todo o verniz do pecado até recuperar a beleza da imagem original e verdadeira. Por isso, é um amor que não desiste e insiste até que a imagem original seja plenamente revelada. Quem fica preso ao nosso passado é o diabo, que insiste em perpetuar o verniz dos nossos pecados para que não nos sintamos perdoados e amados por Deus. Todas as vezes que insistimos em olhar para erros passados e não nos propomos a olhar “o que viremos a ser”, negamos, de certa forma, a graça santificante. Por isso, amar significa suscitar um olhar esperançoso para o futuro no nosso caminho de conversão e transfiguração, sem nos perdermos no passado de nossas misérias desfigurantes.